Homem Comum

15 de setembro de 2017


"Mas quanto tempo um homem pode ficar relembrando os melhores momentos da meninice? Por que não desfrutar os melhores momentos da velhice? Ou seria o melhor da velhice justamente isto - relembrar com saudade o melhor da meninice, aquele rebento tubular que era seu corpo, que acompanhava as ondas desde lá de longe, onde elas começavam a se formar, vinha carregado por elas com os braços voltados para a frente, como se fossem a ponta de uma seta e o resto do corpo magricela vindo atrás fosse a haste da seta, até o momento em que seu peito roçava contra as pedras e conchas ásperas do fundo, e ele se punha em pé e mais que depressa dava meia volta e seguia em direção ao fundo até que a água estivesse à altura de seus joelhos, funda o bastante para ele mergulhar e começar a nadar loucamente em direção ao fundo, até o ponto em que as ondas se formavam - penetrando o Atlântico verde, que avançava inexorável como a realidade obstinada do futuro - e, quando tinha sorte, chegava lá no momento exato para pegar a próxima onda grande, e depois a próxima, e a próxima, e a próxima, até que, quando o sol ficava tão baixo que seus raios já roçavam a superfície do mar, ele percebia que era hora de voltar.

Corria para casa descalço, molhado, salgado, relembrando a potência daquele mar imenso a ferver em seus ouvidos e lambendo o antebraço para sentir o gosto da pele recém-saída do oceano, tostada pelo sol. Juntamente com o êxtase de passar todo o dia sendo socado pelo mar até ficar tonto, aquele gosto, aquele cheiro o inebriavam de tal modo que por um triz ele não cravava os dentes na sua carne para arrancar um pedaço e saborear sua própria existência carnal."

Philip Roth - "Homem Comum"(2006)



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