16 de março de 2017
Desde que o Surf & Cult estreou em 2009, nunca publiquei um obituário, mas não poderia deixar passar em branco a passagem do amigo Lucas Zuch. Se você perguntar a um dito “surfista de alma” como ele gostaria de partir desta para melhor, ele(a) provavelmente diria que gostaria de ser levado pelas ondas do mar. Assim foi com Lucas, embora a poesia desta premissa não arrefeça o inevitável sentimento de que ele se foi cedo demais.
É certo que não poderemos mais compartilhar de sua presença física, mas acompanhando a intensa comoção e os emocionados relatos que inundaram as redes sociais no último fim de semana, resta a certeza de que tudo mais que diz respeito ao Lucas ficou muito vivo. E o que seria esse “tudo mais”? Penso que seria a maneira como ele deixou a sua marca em tantas pessoas com quem compartilhou suas ideias e afetos ao longo do tempo. Em resumo, todas elas invariavelmente se referem a uma “luz”, “um brilho no olhar” uma "busca incessante por transformar os sonhos em realidade”.
De minha parte, acompanhei com interesse e satisfação a trajetória de Lucas desde que ele, ainda prestes a se formar, me procurou no início de 2012 para publicar uma entrevista comigo na sua nova plataforma Surfari. Meses depois, fiquei surpreso quando ele apareceu em Floripa especialmente para assistir à estréia do meu documentário Pegadas Salgadas. Pensei: esse cara é mesmo fissurado pelo surf!
Infelizmente, desde aquela primeira vez, os encontros pessoais foram poucos, apenas umas quatro ou cinco ocasiões, sendo a última uma longa e animada conversa durante o MIMPI 2016 no Rio de Janeiro, onde ele e Duda me contavam, com sua empolgação característica, sobre a decisão de se mudarem para o Rio em busca de novas oportunidades para o Surfari.
Ainda assim, posso dizer que acompanhei de perto o crescimento profissional de Lucas e do Surfari, na nossa rica troca de emails, onde ele sempre vinha com alguma ideia nova, como me colocar de colunista no site dele e até de cozinheiro num livro de receitas formulado por surfistas (que não vingou), ou me pedia opiniões sobre os textos que escrevia e dicas para conseguir publicar o seu material na mídia editorial.
Revendo estas mensagens, vejo que para cada punhalada de ceticismo que eu incluía em minhas opiniões cáusticas e sinceras sobre a impossibilidade financeira de se viver de jornalismo de surf, ele respondia sempre com o seu inabalável otimismo e força de vontade. Foi assim que ele se tornou meu colega na tradução de textos para a revista The Surfer’s Journal Brasil e posteriormente emplacou a sua primeira grande matéria autoral na mesma revista, algo que ele valorizou e celebrou muito.
Paralelo a isso, foi com crescente admiração que acompanhei a evolução do Surfari, onde a inquietação de Lucas e de seu parceiro Duda se materializava em uma série de eventos próprios, coberturas de outros eventos e a produção incessante de matérias, webséries, textos, tutoriais… sempre com uma firmeza de propósito e um sentimento genuíno de realização que cativava todos a sua volta. E assim, eles foram formando uma extensa rede de amigos e admiradores, cujo legado é ainda difícil de mensurar.
Acredito que todo jornalista é um memorialista e, embora fosse formado em administração, Lucas Zuch tinha uma "alma de jornalista". Por conta disso, é reconfortante perceber que ele deixou um extenso acervo publicado e que poderemos sempre acessar, seja nas dezenas de videos que produziu (só do "Surfari na Semana Passada" são 50 episódios), quanto nos muitos textos que produziu. Ali estão eternizadas as tantas qualidades de sua personalidade, que se materializam em sua voz, seu olhar, sua descontração e sua forma de enxergar a vida e de se relacionar com as pessoas.
Tem também o projeto "Reconhecendo o Surfe", já inteiramente gravado, e que certamente o seu irmão de jornada Duda Linhares e os demais colaboradores do Surfari saberão dar prosseguimento no tempo oportuno. Olhando para estes projetos e registros é fácil constatar que Lucas viveu o seu tempo intensamente, tendo percorrido todo o litoral brasileiro, e muitas outras paragens ao redor do mundo, acumulando amigos e experiências. Este acredito ser o verdadeiro significado da expressão "acumular riqueza" e é parte dos ensinamentos que ele nos deixou.
Recentemente, eu finalmente publiquei uma entrevista com o Lucas e o Duda no Surf & Cult, algo que há muito tempo estava em minha pauta. Nela Lucas repassa um pouco da sua história e da sua visão sobre o passado, presente e futuro do Surfari, ao qual ele se dedicava de corpo e alma. A produção deste material me permitiu revisitar toda a trajetória do Surfari, registrar a minha admiração e poder reafirmar ao Lucas o quanto o seu trabalho me servia de motivação e inspiração para seguir militando na tão pouco valorizada mídia de surf.
Dá um certo alento saber que pude fazer essa homenagem ao Lucas a tempo dele poder curtir o conteúdo. Fica para mim a velha lição de que não devemos desperdiçar nenhuma oportunidade de externar às pessoas as coisas positivas que sentimos a respeito delas e de desfrutar plenamente dos momentos em que estamos juntos. E é essa alegria nostálgica que sinto ao ler o comentário que o Lucas postou no Facebook quando republicou a entrevista com ele no Surf & Cult: "Primeira entrevista que participo no que considero um 'veículo de mídia especializado' em surf. Muito feliz em poder compartilhar algumas visões sobre o que tanto amamos fazer. Valeu Luciano, 'tamojunto' e não é de hoje!”, escreveu ele.
Ao que me consta, quis o destino que esta fosse também a última entrevista publicada com o Lucas. Naquele dia, eu respondi ao comentário dele apenas com uma “curtida” e me esqueci de registrar e relembrar que aquela entrevista que ele fez comigo para o Surfari em 2012 foi também a “primeira entrevista que participei no que considero um 'veículo de mídia especializado' em surf”. Valeu Lucas, estaremos juntos enquanto a passagem por esta vida me permitir seguir produzindo conteúdos ligados ao surf. Aloha my friend!
5 comentários:
Que belo texto, Burin. Decente.
Show!!!!!!
Belíssimas palavras! Eu tive a oportunidade de conversar com ele no MIMPI e estava super empolgado, lembrei também de uma produção que eles fizeram (de Snowboard) e que correu em dois eventos, um em Floripa e outro em São Paulo, junto com uma produção nossa! Foi legal a conversa com ele.... Descanse em PAZ brother!
Parabéns pelo texto irmão.
Bah! Obrigado por esse texto, saudades infinitas.
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