21 de fevereiro de 2017
A série "5 Pra 1" do Surf & Cult está de volta em 2017 em dose dupla (então é 5 Pra 2! ) trazendo a dupla dinâmica Lucas Zuch e Eduardo Linhares - nome de guerra "Duda Saracura" -, que juntos comandam as muitas ações do Surfari.
Denominado por seus criadores como "uma plataforma de compartilhamento de experiências", o Surfari é sem dúvidas o mais diversificado, canal de geração de conteúdos ligados ao surf, abrangendo desde a produção de matérias, entrevistas, ações de mídia, tutoriais, paródias e webséries - como o divertido (e já saudoso) jornal "Surfari Na Semana Passada"- , à produção e cobertura de diversos eventos como o SurFest, passando pela confecção de roupas e acessórios, até a realização de pesquisas de mercado, com o projeto "Reconhecendo o Surf", a mais ambiciosa empreitada da dupla, que os levou a cruzar de carro todo o litoral brasileiro do Chuí ao Oiapóque.
Em meio ao deprimente marasmo da mídia de surf, sempre admirei a dedicação e o espírito criativo e inquieto de Duda e Lucas, que decidiram não baixar a cabeça diante das adversidades e da falta de reconhecimento real (R$!) da indústria frente ao trabalho realizado ao longo dos anos. Se a medida do que significa "ter sucesso" é algo subjetiva, o certo é que eles conquistaram muitas amizades e experiências, formaram uma equipe e construiram uma trajetória de crescimento constante para o Surfari, encontrando uma linguagem própria baseada em conteúdo relevante, temperado com altas doses de bom humor.
Ainda em busca da fórmula mágica para a tão sonhada "monetização do conteúdo" produzido, eles decidiram largar Porto Alegre e tentar a sorte no Rio de Janeiro, em mais uma nova etapa da já rica jornada do Surfari, e sobre a qual eles compartilham aqui algumas impressões. Go for it boys!
1 - Me conta como começou o teu envolvimento com o surf e como se deu a decisão tentar viver profissionalmente em torno do universo das ondas?
Duda: Ser um surfista morando a 800km do mar nunca foi tão glamuroso. Mas assim, entre a vida rural e os rolés de skate na lomba, cresci até os 16 anos na cidade de Uruguaiana, no interior do Rio Grande do Sul. Nunca faltou incentivo para surfar pois meus pais sempre alugavam uma quinzena de verão na praia da Ferrugem e meu irmão mais velho é o cara mais fissurado que conheço. Surfar foi natural, foi familiar e depois acabou sendo o que definiu meu grupo de amigos em Porto Alegre.
Quando entrei na faculdade de publicidade e propaganda percebi que os bem-sucedidos na minha área trabalhavam muitas horas por dia, (10 a 12h/dia) fazendo da empresa a sua principal moldura para a vida. Trabalhei um ano em agência, depois dois anos com pesquisa de comportamento de consumo e então surgiu um doido chamado Lucas com a proposta de transformar em business um "blog de compartilhamento de experiências" chamado Surfari. Foi e continua sendo o maior desafio que já botei pra baixo, pois um grande medo era tornar trabalho o meu principal lazer. Estava aí a resposta de como eu poderia emoldurar minha vida de maneira mais agradável do que o mercado me oferecia na época!
Zuch: Comecei a surfar aos 10 anos por influência de um ex-namorado da minha irmã. Um fato engraçado é que esses dias, depois de 17 anos (que obviamente não está mais com ela) ele veio me pedir umas dicas de pranchas pra comprar. Baita ironia, agradeci bastante a ele por ter colocado aquela pilha. A decisão foi acontecendo depois que eu voltei de um ano vivendo na Austrália, quando tinha 19 anos. Continuei a faculdade de administração e por obra do acaso fui me envolvendo com o surf no lado profissional e acadêmico. Primeiro o shaper Gabriel Vicente (filho do legend Jorge Vicente) encomendou uma pesquisa de mercado (raridade, né!!) pra empresa júnior da faculdade, trabalho que caiu no meu colo durante o processo seletivo pra ingressar na empresa.
Depois, na hora de fazer o TCC, pesquisei sobre o perfil psicográfico dos surfistas de Porto Alegre, como minha orientadora era a única pessoa que acreditava que eu poderia tirar um 10 com aquele tema, mergulhei fundo na pesquisa pra mostrar pra todos por ali que era possível. Veio o 10, e na mesma época o Surfari estava iniciando, então adaptamos as informações da pesquisa pra criar o Reconhecendo o Surf (versão 1). Com a aceitação do trabalho pelo mercado, e então com 21 anos, vi que era hora de largar o emprego de corretor de ações da Bolsa de Valores e me dedicar ao Surfari.
2 - O Surfari é uma plataforma em constante transformação. Como você analisa a trajetória do negócio até aqui e qual a visão a curto e longo prazo, frente os desafios de se produzir conteúdo relacionado ao surf no Brasil?
Duda: O desafio é constante. Empreender no Brasil envolve muita doação e as recompensas geralmente vem a longo prazo, por isso, nada faria sentido se não estivermos seguindo nosso coração. Em 4 anos já tivemos oportunidade de virar uma produtora de vídeos, já tivemos oportunidade de ser uma produtora de eventos, já flertamos com a idéia de entregarmos a marca para a confecção de roupas. Assumir inteiramente um desses formatos poderia até nos deixar ricos, mas tiraria um prazer incrível que temos em acordar na segunda-feira e colocar os projetos que acreditamos na pauta.
No curto prazo, estamos bem instigados com a mudança da empresa para o Rio de Janeiro, um campo fértil para a formação de marcas e principalmente para a "monetização do conteúdo", que parece ser o maior desafio de todos que estão na barca da produção de conteúdos, desde o Surfari, até a Rede Globo. Pro mercado de surf então, que é super prazeroso trabalhar e por isso muita gente não se importa em monetizar, não seria diferente.
Entre as novas iniciativas do Surfari nessa linha está o fortalecimento do canal do Youtube, a busca de patrocinadores mensais e a parceria com marcas de confecção para collab de coleções. Assim, pretendemos nos organizar melhor para tratar os projetos maiores com mais carinho.
Zuch: Desde o princípio o Surfari sempre teve um crescimento orgânico, nós nunca aceleramos ele com uma grande bolada ou através de um investidor. E avalio que esse é o melhor crescimento que um negócio pode ter, pois uma vez que alguém fora os donos esperem um retorno dele, diversas decisões se tornam muito complexas. Nós não somos contra o capitalismo, viu, mas desde o início era difícil definir o que o Surfari fazia (e faz), porque ao longo do tempo investíamos nossa energia e tempo nas oportunidades que apareciam.
Então, de um portal de conteúdo (cuja rentabilidade e modelo de negócio é bem difícil de sustentar) que é a nossa raiz, surgiram outros membros, caso dos eventos e dos produtos. Para lançar oficialmente a plataforma, no fim de 2012, fizemos um evento com exibição de filmes, exposição de fotos, DJ, coquetel, bar. Então, nesse evento, as pessoas queriam levar o Surfari pra casa de alguma maneira, seja por adesivo ou uma camiseta.
E assim, nós fomos identificando oportunidades, e uma coisa levou a outra. Depois de diversos vídeos, eventos e produtos, com vários acertos e alguns erros (tão ou mais importantes), estamos começando a nos encaminhar a um modelo economicamente viável. Basicamente, este modelo segue sendo o tripé (conteúdo, evento e produto), mas com custos mais baixos e conseguindo a parceria com marcas que queiram estar aliadas às nossas iniciativas. Passado esse flashback, o que eu vejo para o curto e longo prazos é que pra viver do surf é preciso ser multimídia e multicanal.
O desafio é encontrar uma linguagem que seja autêntica, pois isso vai te trazer um público fiel, e então, esse diálogo tem que continuar no Instagram, no Youtube, no festival de filmes, no coquetel, no boné e no adesivo. Acho que a grande dificuldade pela qual o surf passa é a dificuldade que qualquer setor enfrenta no Brasil, por exemplo, se você analisar o varejo os números estão em constante queda, e na minha opinião é porque os gestores continuam fazendo as mesmas coisas e esperando resultados diferentes.
3 - Na jornada do Reconhecendo o Surf pelo Brasil o que mais te surpreendeu e chamou a atenção em relação à cultura surf brasileira? O que você diria que une e distingue os surfistas ao longo do litoral brasileiro?
Duda: Esse projeto mudou nossas vidas. Foi o mais ambicioso, o mais trabalhoso e com certeza o que mais vai ter repercussão. Depois de mais de 260 entrevistas por todo litoral ficou bem claro que o surf tem potencial para ser a "Maior Ferramenta de Transformação Social" que o país dispõe. É bizarro, mas quando colocamos uma conclusão dessas na mesa é mesquinho querer saber se o brasileiro prefere uma triquilha a um modelo retrô para os dias de mar pequeno. Veja bem, quando falamos em transformação social não estamos falando apenas em ajudar a população carente, mas sim de uma expansão de horizontes para todas as classes com maior conexão com hábitos saudáveis, melhor relação com o ambiente e com o território local, entre outros tantos benefícios que foram bem fáceis de comprovar.
O brasileiro tem uma facilidade incrível de encontrar felicidade qualquer lugar e situação, é um farejador nato para isso. Essa "caça" pela alegria é a nossa principal qualidade e isso se reflete no surf naturalmente. Para quem não entende a paixão do próximo, essa mesma característica se torna nosso principal defeito
Zuch: O que mais me surpreendeu é o quanto o Brasil é rico. Acho que a mídia em geral cria em nosso imaginário uma ideia de escassez, de violência, de instabilidade. E o que eu pude ver com meus próprios olhos é que o Brasil é abundante. Talvez a história seja mais sofrida no interior, mas no litoral não falta alimento, não falta bom humor. Não quer dizer que esteja às mil maravilhas, mas esse discurso pessimista da mídia nos faz não ter vontade de conhecer o Brasil, e acho isso muito errado. Conhecer o país me deu muito orgulho de ser brasileiro.
Em relação ao segundo ponto, acho que o que une o surfista brasileiro é o fato de ele ser uma rede social. Foi através dessa rede que pudemos viajar sendo recebidos de casa em casa, alimentados, guiados, simplesmente dizendo que a pessoa da cidade anterior tinha nos indicado a pessoa seguinte, então esse elo de confiança entre surfistas é bem surpreendente.
Em relação ao que distingue, acho que são as motivações. Enquanto pra surfistas que tem uma vida mais confortável financeiramente o surf é um escape, um componente do estilo de vida e auto-realização, existe uma grande gama de surfistas que vê no surf o ganha-pão, a compleição das necessidades básicas da pirâmide. Mas o engraçado é que, embora isso faça com que tenham abordagens diferentes no surf, a satisfação que tem com o esporte é muito semelhante.
4 - Quais são as tuas maiores inspirações no surf e nas artes?
Duda: Gosto de trazer referências de fora para dentro do Surf. Sinceramente acho que muitas produções de surf acabam se inspirando no próprio meio e isso corrói a amplitude das mensagens. O surf tem um apelo visual fantástico que nos permite petrificar o olhar de qualquer um com um slow de 240fps, mas é um desperdício não prestarmos atenção na riqueza de histórias que podem ser exploradas ali.
Há quem não goste, mas os trabalhos que eu mais admiro são aqueles que encantam surfistas e não surfistas de igual maneira. Aí vamos desde Endless Summer, passando pelos filmes do Cyrus Sutton até os novos Ripple Effect, ou Let's Be Frank. No Brasil as últimas produções do Grupo Sal como 70 e tal e 80 e tal e Hidrodinâmica são boas referências nesse quesito. Em geral sou apreciador de um bom roteiro
Acho que a arte tá na própria vida, nunca fui muito colecionador de um formato específico. Acho legal quem brinca de dar novos sentidos as coisas e traz emoções à tona. Aprecio muito o humor, a arte fazer cócegas no cérebro dos outros. (Mr.Bean, Jim Carrey, Seth MacFarlane, Jimmy Fallon) Na parte mais visual gosto dos desconstrutores: (Van Gogh, Basquiat, Hundertwasser) Na parte auditiva dos mais clássicos, que me emocionam (Rolling Stones, Peter Tosh, Alabama Shakes, Cachorro Grande). Mas to muito feliz que cada dia surge uma coisa nova boa. A arte tá cada vez mais democrática, pulverizada e acessível. Assim a inspiração fica cada vez mais presente!
Zuch: Olha, eu sou meio nerd do surf, gosto muito de ler e consumir conteúdo, então um dos meus grandes ídolos é o Matt Warshaw. Pra mim esse cara é muito subestimado. Ele foi o cara que pegou e disse ‘o surf importa’ vou dedicar minha vida a escrever essa história direito. Mas além dele, tem outras pessoas que me inspiram muito como o Cyrus Sutton, um cara de muito talento que tem uma visão clássica e uma abordagem atual; o (John) Severson, que criou a porra toda; Peter Hamblin, o cara que fez “The Ripple Effect”; Allan Weisbecker, o cara que escreveu “In Search of Captain Zero” (que é o ‘On The Road’ do surf pra mim); da turma nacional a turma do barulho Pepê, Júlio Adler, Marcelus (Viana) e (Rafael) Mellin pelo conjuntos das obras; no Youtube o Casey Neistat e o Jason Silva, caras que tem canais muito relevantes. Mas, por mais clichê que isso soe, eu admiro e me inspiro nas pessoas que tem a coragem de fazer as coisas com amor e encontram meios de fazer isso dar certo (conceitual e financeiramente).
5 - Se você tivesse uma verba ilimitada para produzir algum novo projeto ligado ao surf o que você faria?
Duda: Pagaria as dívidas do Surfari e assim continuaria com a empresa! ahhaha brincadeira. Reformaria um ônibus para que fosse um escritório móvel, com ilha de edição, espaço para um palco em cima, um bar em um dos lados. Fecharia com grandes amigos que produzem conteúdo, outra galera que sabe como ativar um evento e alguns surfistas. Viajaria por toda a costa brasileira novamente ficando uma semana em cada lugar chave. Chegando nesse local, promoveria campeonatos de surf para crianças e para a mulherada, promoveria um evento de integração, uma mostra de cinema e um minidoc sobre a cena local.
Encerraria nossa passagem por lá com uma grande festa e partiria para a próxima praia! Verba infinita? Transforma o ônibus em um veículo anfíbio transatlântico e vamos aplicar a mesma dinâmica pelo mundão! hhahah
Zuch: Eu faria novamente o Reconhecendo o Surf, mas com mais tempo e mais recursos. Na minha visão, esse projeto tem um grande potencial para fazer do Brasil a maior potência mundial do surf como esporte e como cultura. O que precisaríamos fazer era interligar mais a rede que o surf já é. Teríamos que dialogar com o governo, as associações, as federações, as revistas, os sites, os fotógrafos, os filmmakers, os atletas, as marcas, os lojistas etc.
Se eu tivesse recursos ilimitados, iria estudar a fundo como interligar todas as partes. É difícil, mas não acho nem de longe que seja impossível. Pra mim, a conclusão é que todo surfista quer ter recursos, pra no fundo ter mais tempo pra surfar, então se a teia fosse organizada, todo mundo teria mais recursos pra investir o seu tempo no que mais gosta, que é pegar onda.
foto de abertura: Caio Guedes
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