Surf Spaghetti

13 de outubro de 2016



(Matéria publicada originalmente na edição 333 da revista Fluir em julho de 2013)


Um filme de surfe rodado exclusivamente na Itália em película de 35mm e que teve a sua finalização bancada com recursos de um financiamento coletivo na internet.  Assim é Bella Vita, a mais recente produção do diretor norte-americano Jason Baffa, autor de clássicos do gênero, como “Singlefin: Yellow” e “One California Day”.





Viagem Analógica

Nos últimos anos, o acesso aos melhores picos de surf no mundo foi democratizado pelas muitas agências de viagens especializadas em surf trips e pelos serviços de internet que disponibilizam mapas atualizados com previsões precisas sobre as condições das ondas nos quarto cantos do planeta.

A descoberta de ondas épcias e sem crowd que são o tema central da maioria dos filmes de surf voltou-se então para destinos cada vez mais inusitados, como no desafio do frio extremo possibiitado pela evolução das roupas de borracha em litorais da Rússia, Islândia e Alasca, ou então, na tentativa de “espremer limão” em destinos pouco concorridos e exóticos, aproveitando a velha maxima de que “todo pico tem os seus dias mágicos”.

Viajar em busca de ondas na Itália certamente se encaixa na segunda categoria. A ousadia de apostar no balanço das águas do Mar Mediterrâneo para captar imagens para um filme bilíngue de 82 minutos sobre surfe, utilizando a custosa tecnologia analógica só se justifica em termos lógicos se pudermos evidenciar o subtexto que deu origem à Bella Vita.

Afinal, mesmo com o seu respeitável currículo e um elenco de sufistas midiáticos como Chris Del Moro, Dave Rastovich e os irmãos Conner e Parker Coffin, como foi que Baffa conseguiu amealhar US$ 30 mil de centenas de desconhecidos na internet para finalizar esta ambiciosa produção?

 
Raizes Italianas

A resposta pode começar pela descrição do roteiro: “Bella Vita” é um documentário que registra a cultura surfe da Itália, a partir do resgate das raizes italianas do talentoso surfista Chris Del Moro como fio condutor da história.

"Encontrei Chris por acaso em Bali e tomando umas Bintangs trocamos umas ideias sobre a fantástica e ainda pouco conhecida subcultura do surf na Itália. Daí ele falou desta ideia do filme confiando a mim esta história pessoal de sua conexão com a Itália", lembra Baffa.

Raízes italianas? Assim como ocorre no Brasil, os Estados Unidos possuem um passado de significativa imigração italiana na formação de seu povo. Ao longo de sua infância, Chris Del Moro passou muitas férias com seus parentes italianos, onde foi exposto à excelência da arte, arquitetura e design tão associadas à identidade deste país. Estas experiências marcaram a formação de sua personalidade e moldaram o experimentalismo e o apuro estético de seu surfe, lapidado nas ondas da Califórnia onde aprendeu a surfar.

Convidado a embarcar nesta busca de Del Moro por reconectar-se com as memórias e as paisagens de sua infância na Itália, depois de um longo período de quinze anos ausente, o espectador percorre os encontros familiares de Chris com seus parentes e personagens que variam de surfistas à artesãos, compondo uma aventura singular, que reverbera em todos aqueles que buscam consolidar a sua identidade em um mundo cada vez mais globalizado e impessoal.



Novidade e Tradição

Os caminhos percorridos pela equipe de filmagem na costa continental e nas ilhas do território italiano atrás das melhores ondas se baseia num roteiro nostálgico em meio a paisagens recheadas de história no Mar Mediterrâneo, ao qual se juntam, além dos surfistas já citados, alguns expoentes locais, como Leonardo Fioravanti e Alessandro Ponzanelli.

Mergulhar numa cultura que respira tradição, mas que ao mesmo tempo possui uma cena surfe ainda em formação, cria uma enriquecedora dialética ao filme. Ao longo de 100 dias, Baffa, ele próprio um descendente de italianos, esteve imerso neste ambiente cheio de surpesas e contraposições, onde as nuances da alma latina cheia de paixão que corre nos italianos imprimiram um tempero todo especial à narrativa.

Estes elementos culturais emoldurados pelos cenários rurais e o litoral acidentado da costa italiana, somam-se ao orgulho dos surfistas locais em receber expoentes como Dave Rastovich em suas ondas. Um comportamento amistoso típico de picos onde o crowd ainda não deteriorou o espírito de camaradagem original dos surfistas, no prazer e compartilhar boas ondas com os visitantes.

Fora  d’água este reconhecido espírito expansivo e agregador típico dos italianos também rola em alto volume e Baffa aproveitou este ambiente para novamente explorar as relações humanas e sociais no universo do surfe, que fizeram a fama de seus filmes anteriores.  “Penso neste docuemntário como o fechamento da minha trilogia ‘Sérgio Leone’ de filmes de surfe”, brinca Baffa por email, em referência ao célebre diretor italiano de filmes de faroeste que consagraram o gênero “western spaguetti”.

 


A qualidade das ondas

Assim, já podemos elencar na lista de atrativos de Bella Vita, a união de boas ideias, bons personagens, fotografia caprichada e insights poéticos, para formar uma narrativa inspiradora. Mas afinal de contas, rolam boas ondas na Itália? Entre um gole e outro de café espresso, Baffa responde com sinceridade: "Tem ondas bem divertidas na Itália, mas você tem que ser extremamente paciente e persistente para se dar bem. O potencial para ondas exepcionais está lá, mas pode significar a busca de toda uma vida, pois são tantos fatores envolvidos que precisam se alinhar”.

Na Itália, como em qualquer outra surf trip, um bom planejamento para encontrar boas ondas é essencial, mas, ainda assim, filmar surfe será sempre um jogo de sorte. Prova disso é que, apesar de todos os esforços e da escolha teórica pela melhor época do ano para pegar ondas na Itália, Baffa lamenta que a temporada de mais de 30 dias de Dave Rastovich em solo italiano tenha rendido apenas quarto boas sessões de surf. Mas no fim das contas, o compromisso com a realidade é um dos principais alicerces de um filme documental e a frustração de não encontrar ondas também deve ser aceita e incorporada ao contreúdo projetado na tela.



35 mm de Desafios

A opção por filmar em 35mm implicou no uso de câmeras grandes e pesadas, transformando a movimentação pela praia numa verdadeira empreitada para a enxuta equipe de três profissionais. “Eu sou razoavelmente forte, mas estas cameras acabaram comigo. A base da minha coluna ainda está avariada”, confessa Baffa.

E se pensarmos que a maioria das salas de cinema e festivais da atualidade trabalham com exibição de cópias digitais, filmar em pelicula parece um preciosismo. Mas Baffa conta que todas essas questões se dissiparam assim que sentou-se na ilha de edição para assistir ao resultado de uma tomada aquática em filme de 35mm:  “O visual de Dave Rastovich ou Conner Coffin executando um cutback em super câmera lenta é incrível. A pelicula simplesmente captura o movimento da água de um jeito tão bonito e mais orgânico que os pixels digitais”, avalia.


Financiamento Coletivo




Bater o pé para produzir um filme independente com uma qualidade técnica diferenciada levou Baffa a arriscar-se em uma campanha de financiamento coletivo pela internet, e de quebra examinar por antecipação a aceitação do publico em relação a Bella Vita: "Eu sinto que o meu público merece uma certa qualidade de produção. Não quero lançar uma porcaria de projeto”, explica. “Através do apoio do público nós conseguimos acessar estes recursos adicionais para fazer as coisas ficarem realmente boas ".

Assim, ao longo de 40 dias, num esquema “tudo ou nada”, Baffa acompanhou com ansiedade a evolução das contribuições online em busca dos 30 mil dólares requeridos para finalizar a sua obra. “Esta experiência foi muito excitante, vendo as pessoas botarem a cara e validarem todo o trabalho e risco envolvidos até o momento. Dito isto, certamente foi assustador esperar para ver se alcançariamos o objetivo, mas sempre tive fé que ia dar certo”, relata Baffa.

Financiamento aprovado, o investimento do público foi então aplicado na aquisição de uma trilha sonora de alta qualidade e outros elementos técnicos de finalização como efeitos gráficos e de animação.


O filme Bella Vita será exibido no próximo dia 21 de outubro às 21 hs no Cinema do CIC em Florianópolis dentro da programação do evento Lagoa Surfe Arte.


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