15 de agosto de 2016
Tudo começou na infância, com aquela fascinante e misteriosa espuminha branca, que vez por outra surgia no horizonte distante quando o mar estava revolto na praia de Jaguaruna. Com o passar dos anos, o mistério foi aos poucos se dissipando: a espuma era de uma onda que quebrava sobre uma laje, uma montanha submersa onde os pescadores em dias de calmaria capturavam toda sorte de pescados. "Mas será que dá pra surfar lá?" A pergunta ficou sem resposta até os anos 2000, com o surgimento dos jet-skis e os primeiros surfistas que começaram a desbravar a onda e a divulgar os primeiros registros.
Nesta época eu já estava envolvido com produção audiovisual e o meu desejo de conferir a onda de perto e registra-la em um documentário sobre a região começou a ganhar forma quando descobri em um livro que o Farol de Santa Marta emitia um feixe vermelho de luz avisando os navegadores a desviar da rota de colisão com a laje, então conhecida como Pedra do Campo Bom.
Conhecer a história do Farol e o seu funcionamento era também um desejo antigo e, a partir desta relação do Farol com a hoje famosa Laje da Jagua, vi que tinha em mãos um bom argumento para um roteiro que me permitiria registrar as paisagens deste litoral que faziam parte das minhas memórias afetivas de surfista. Surgia ali o nome "A Pedra e o Farol".
Mas foi somente quando comecei a pesquisar as fotografias antigas que registravam os naufrágios e encalhes na região de Jaguaruna que o roteiro ganhou verdadeira consistência, pois percebi que a história do pioneiro fotógrafo Gentil Reynaldo e a dificuldade que seus herdeiros encontram em preservar o acervo que ele deixou, funcionaria como um forte elemento poético simbolizando "a memória que inevitavelmente se perde no tempo", que ligaria toda a narrativa baseada na relação do homem com os registros que ele produz no lugar onde vive.
Assim, o roteiro do documentário "A Pedra e o Farol" virou um projeto aprovado na Lei Federal de Incentivo a Cultura e passei mais de um ano buscando os recursos mínimos necessários para que a produção saísse do papel. E foi então que, com apenas 25% do orçamento captados com a empresa GAM/Farol Shopping e a parceria de excelentes profissionais, iniciamos as filmagens pra valer em março de 2014, num processo de filmagem, edição e finalização que durou até abril de 2016 e exigiu altas doses de paciência e persistência.
Como em todo bom processo de produção, o filme foi ganhando vida própria, onde novos personagens e possibilidades foram surgindo, numa história contada a partir de depoimentos de dezenas de personagens. Olhando para trás nesta trajetória, o maior retorno pessoal certamente foi a oportunidade de poder conhecer melhor a região e seus habitantes, a partir de pessoas interessantes que se dedicam às mais diversas atividades dentro do território de Laguna e Jaguaruna.
Nesse contexto, percebi que não queria que este fosse um documentário puramente didático e histórico combinado com cenas de ação nas ondas. Partindo do principio de que os documentários são excelentes veículos para promover reflexões sobre temas relevantes, decidi buscar uma abordagem mais crítica sobre o processo de ocupação deste pedaço de litoral e os desafios encontrados para que ele não seja degradado pelo crescimento desordenado, onde as questões ambientais ganharam grande relevância na trama.
E eis que passados mais de três anos de dedicação ao projeto, o documentário finalmente estreou na última quinta-feira, com uma exibição para mais de 270 pessoas no histórico e belo Cine Teatro Mussi em Laguna, fruto de uma parceria com o Sesc Laguna. É difícil descrever a sensação de ver um ciclo se fechar com as imagens do filme sendo projetadas numa grande tela para um público formado por personagens do filme, integrantes da equipe e muitos curiosos - que puderam absorver uma história que passa na região onde vivem. Os aplausos ao final da sessão certamente inspiraram um sentimento de que a mensagem foi transmitida com sucesso.
Mas qual seria esta mensagem afinal? Na apresentação ao microfone antes da exibição fui tomado pelo nervosismo e diante daquela numerosa platéia não consegui elaborar bem sobre isso, então deixo aqui registrada a ideia central: O ponto de ligação entre os vários temas e personagens do filme é a percepção de que as coisas só passam a ter significado quando damos algum valor a elas, seja registrando momentos em fotografias, valorizando uma construção antiga ou lutando pela preservação de um ambiente natural.
Quanto a mim, a percepção pessoal é que de fato o tempo passou e a espuminha branca distante ficou mais próxima e menos misteriosa. Mas fica o entendimento de que os conhecimentos e sentimentos que ela despertou ainda irão me gerar muitos frutos positivos ao longo do tempo.
Mais informações: www.apedraeofarol.blogspot.com
Frames e Fotos: Guilherme Reynaldo, Luciano Burin, Marcos BG, Marcos D'Elboux e Gentil Reynaldo
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