Mar Revolto

25 de julho de 2013



Acreditava que o mar seria para sempre o seu refúgio. Seja no movimento calmo ou no rebuliço incessante, mas sempre com o mesmo efeito inebriante. Buscou nele a fonte de energia capaz de aplacar, ao menos por instantes, a correnteza de dores que teimavam em pairar sobre sua mente, sob a forma de pensamentos obsessivos. Fora assim antes e assim haveria de ser para sempre. Uma certeza reconfortante.

No inverno congelante de seus ossos retesados, mesmo sem qualquer proteção no corpo, sabia que, se as ondas estivessem lá, o esforço seria recompensado.  O empreendimento da remada sistemática dos braços sobre a prancha somado às cargas das espumas oceânicas, expandiria o poder da mente e tornaria suportável a permanência em água salgada por alguns preciosos minutos.

Sabia que tomar um banho de mar é como recarregar uma bateria cuja eletricidade é a energia bruta da natureza em estado liquido. Mas não espalhava este conhecimento aos quatro ventos, pois quem deste hábito nunca viveu, custa a aceitar como verossímel, as possibilidades extraordinários alcançadas pela força da adrenalina despejada no sangue, no isolamento térmico do contato com a água salgada.

Só que naquele específico instante de contraste intenso entre o frio corporal e a mente em ebulição, o encanto se quebrou. As ondas estavam lá, lisas, periódicas, vazias, penteadas pela brisa - o templo natural para sempre desejado. Correu por elas em busca de esquecer dos problemas, de estar atento exclusivamente ao momento, mas sucumbiu na perda de equilibrio por estar distante de seu corpo e de sua interação com a natureza.



Questionou se não teria sido a paisagem deslumbrante que se tornara banal por conta da rotina. Do apreço perdido pelas tantas vezes que foi visualizada. Mas estas, ainda assim, poderiam ser recuperadas ao levar os olhos a explorar novas paisagens e a sintonia então prontamente se reestabeleceria. Esta desconexão era maior.

Do turbilhão do mar revolto em seu interior, descobriu que o surf é falível sim, e que os traiçoeiros caminhos de sua mente podem lhe arrancar até o mais venerado sossego - o porto seguro até então capaz de dissipar todos os problemas. Saiu do mar em choque, pela primeira vez sentindo-se pior do que quando entrou, sentindo sua essência perdida na ressaca de pensamentos incontroláveis.

E as contínuas marés do tempo encarregaram-se lentamente de acalmar as inquietações que antes pareciam consumi-lo em um ardor invisível. E percebeu que ao longo desse tempo havia persistido em buscar o alento onde ele sempre esteve. No mar. E se por alguns dias frios no caminho abdicou de entrar na água, houve um momento em que esta alegria voltou a se fazer presente, com uma força ainda maior, como um vento terral que invade o sol nascendo em alto mar.

Desde então, passou a valorizar ainda mais as ondas de felicidade experimentadas no contato com o oceano, seja no movimento calmo ou no rebuliço incessante, na certeza de que elas não são infalíveis.



                 Pinturas digitais: Claudio Arango

Um comentário:

Bruno Marques disse...

Me identifiquei totalmente com o texto.
Muito bom o post, Luciano.

abraços

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