Vivendo o Sonho

19 de dezembro de 2012

 
"I`m living the dream", resumiu bem Gabriel Medina sobre o sentimento de, aos 18 anos de idade, ser premiado no Surfer`s Poll no Havaí por fazer com sucesso aquilo que mais gosta na vida: "pegar onda" (e ainda ser bem remunerado e reconhecido por isso).

Que Gabriel está vivendo o sonho dourado de 99,9% dos moleques que se dedicam pra valer a ter o surf como uma carreira profissional, ninguém duvida. Passar os dias em paraísos tropicais com altas ondas como no North Shore de Oahu é mesmo um privilégio difícil de ser superado, ainda mais quando se é jovem, sem grandes responsabilidades nas costas.

Mas como toda promessa de felicidade, mesmo para alguém com o talento ímpar de Gabriel, este sentimento não será eterno em meio aos altos e baixos naturais da vida, nem tampouco poderá ser vivenciado em sua plenitude pelo restante da horda de surfistas profissionais que vão ao Havaí todo ano em busca desta recompensa.

Medina com seus troféus do Surfer`s Poll - por Rafael Calsinski


















Se a percepção de "emprego dos sonhos" associada aos surfistas profissionais é em muitos momentos desmentida pela realidade implacável do dia-a-dia - onde o encantamento inicial pode sucumbir diante da rotina de treinos e competições e dos insondáveis aspectos psicológicos que afetam cada ser humano de maneira e intensidades diferentes - retornei de minha primeira temporada no paraíso do surf havaiano com algumas impresssões bem consolidadas.

A primeira é de que sim, os surfistas profissionais são criaturas privilegiadas por um estilo de vida "melhor" do que a grande maioria de outros profissionais em diversas esferas sociais e, em geral, sabem reconhecer e ser gratos por isso. Mas isto não significa que eles formem uma casta homogênea de criaturas felizes, que conseguem sempre valorizar os momentos de saúde e bem estar em um local de beleza natural singular e não se deixar levar por pequenos revezes e sentimentos conflitantes, como a própria saturação provocada por ter que ir surfar todo dia e lidar com um crowd intesno. Até aqui, nada mais natural.



E o que dizer dos fotógrafos, cinegrafistas e outros profissionais que formam a outra grande massa humana que se desloca todo ano para o Havaí em busca do sonho dourado do surf? Quando comuniquei aos amigos a minha ida ao Havaí para produzir o programa Diário das Ilhas, ouvi de muitos a expressão "dream job"(trabalho dos sonhos) para descrever o que viveria nos próximos 30 dias.

E assim, em certo ponto passei a me questionar se eu estaria realmente me juntando aos colegas de mídia que acumulam temporadas e mais temporadas havaianas nas costas na experiência de "viver o sonho" que é ter o prazer de trabalhar diretamente com o surf no solo sagrado da prática de deslizar sobre as ondas - realizando o sonho máximo de qualquer surfista?

Olhando para trás nesta recente e intensa experiência posso afirmar que constatei os dois lados desta afirmativa. A verdade básica de que todo profissional de mídia especializada em surf é por consequencia um surfista amador que conseguiu dar um jeito de se manter estreitamente envolvido com a prática so surf através de uma atividade profissional que o permite de alguma forma "viver o sonho" é quase uma unanimidade.



Mas, por um lado, o fato é que, especialmente para os fotógrafos e cinegrafistas de areia - que não entram na água com caixas estanque - o sonho dourado do surf se mostra tão próximo e ao mesmo tempo tão distante, ao ter que ficar a poucos metros das ondas registrando ao longo de horas embaixo do sol o surf rolando em condições clássicas bem à sua frente; estar em um cenário de sonho, sem poder se jogar no mar e desfrutar propriamente destas ondas.

Nas entrevistas realizadas pude constatar que muitos fotógrafos de surf conseguiram superar o dilema de querer fotografar um mar clássico, mas também poder pegar umas ondas. Para aqueles que entram na água constantemente, como Bruno Lemos e Brian Bielmann (video acima), só o fato de estar ali na zona de impacto tomando umas ondas na cabeça já vale tanto quanto surfar pra valer estas ondas. Especialista máximo em quebra-cocos, Clark Little resumiu este sentimento afirmando que "ficar ali no shorebreak tomando caldos é o meu elemento", onde ele se sente verdadeiramente vivo.

Bruno Lemos me contou que hoje em dia o surf fica em segundo plano para ele durante a temporada de inverno no Havaí. Morador do North Shore há 15 anos, ele entende que esta é a época do ano de fazer trabalho render e afirma que hoje consegue sentir tanto prazer registrando um momento especial de surf e natureza, quanto pegando uma onda boa por conta própria.

Arco-irís por Bruno Lemos

Pude presenciar também este prazer do trabalho realizado suplantando a própria vontade de surfar em diversos momentos, como quando o ex-bodyboarder profissional e hoje fotógrafo Paulo Barcellos saía da água e ainda na areia mostrava para o surfista em questão o resultado de uma boa foto registrada em sua caixa estanque. Da mesma forma, o fotógrafo Rafael Calsinski vibrava com o resultado artístico de uma imagem incrível de Alex Knost em Off The Wall e o fotógrafo Daniel Smorigo editava no notebook o registro que havia feito poucos minutos antes de Filipe Toledo voando em Rocky Point.

Por outro lado, também pude constatar que existem fotógrafos e cinegrafistas que aparentam realizar o seu trabalho apenas como uma obrigação e, por incrível que pareça, sequer demonstram possuir aquela gana de tentar arranjar uma brecha para pegar umas ondas no tempo livre, aproveitando um pouco do paraíso do surf que é o Havaí.

Arco-íris por Bruno Tessari

E aí me pergunto o que leva alguém que não pega onda ou não se vê constantemente estimulado pela beleza visual do surf a tornar-se um fotógrafo/cinegrafista de surf? Como pode simplesmente perder-se o encantamento e deixar que as coisas fujam de perspectiva a este ponto? Exemplo de perspectiva: É melhor estar fotografando surf no Havaí, ou ser fotojornalista de ocorrências policiais no Rio de Janeiro?

Certamente tanto na prática do surf como atleta, quanto na prática de alguma atividade profissional ligada à ele, o terrível mal da inevitável rotina pode minar parte do encantamento, e mesmo uma vida de viagens constantes (e aparentemente sem rotina) atrás de boas ondas pode tornar-se um fardo em certos momentos. Isto sempre será determinado pelo que se passa na subjetividade de cada indivíduo. Nesse sentindo, cada por-do-sol e arco-íris mais bonito do que o outro, como os que pude presenciar no North Shore, pouco servem para aplacar uma alma insatisfeita e saturada com a sua rotina de trabalho.

Arco-íris por Rafael Calsinski

Assim, chego ao final deste texto sem uma resposta definitiva sobre o tema levantado nas linhas anteriores. O que posso dizer é que "viver o sonho" não significa se ater a um desejo de felicidade constante em um lugar paradisíaco, que não poderá ser mantido para sempre.

Seja no Havaí ou em qualquer outro lugar, "viver o sonho" é estar atento ao presente, pesando o passado que nos levou até o momento atual e vislumbrando a importância de não deixar que se perca o encantamento do momento, para que, no futuro, não olhemos para trás com ressentimentos por não termos aproveitado melhor um determinado período de nossas vidas.

Owl Chapman em Sunset por Andrew Kidman



















Por fim, minha última lembrança do North Shore talvez tenha algum significdo dentro deste contexto: Era o segundo dia do Pipe Masters e aproveitei o par de horas livres no meio da tarde antes do meu voo de volta ao Brasil para fugir da multidão do campeonato e dar uma última caída em Sunset, o pico situado mais perto da minha casa.

Altas ondas de 6 a 8 pés e, para a minha surpresa, muitas meninas dentro d`água botando pra baixo com autoridade e estilo - fato que comentei com o editor da Hardcore, Steven Allain que também curtia as ondas no pico e concordou de imediato.  Das 3 sessões que tive em Sunset esta era a que oferecia as melhores condições, mas no fim das contas, com uma prancha pequena demais para a ocasião, foi a que peguei menos ondas.

Eis que chegou a hora de sair do mar pra não me atrasar. Fui então remando cada vez mais para a zona de impacto, me colocando em posição de risco em busca de uma última dose de adrenalina. O resultado: uma série bem de oeste entrou com tudo e a segunda onda me varreu com toda a famosa e temida força da espuma de Sunset. E foi com o primeiro e merecido caldo em Sunset que me despedi das ondas havaianas. Foi como experimentar mais uma vez a lição de um ensinamento já conhecido.





















No caminho pela calçada onde os carros estacionam de frente pro pico, lá estava um senhor de idade com óculos fundo de garrafa, encostado num pitoresco carro vermelho com uma reluzente gunzeira monoquilha acoplada no rack observando as ondas. Reconheci a imagem já vista em revistas: era o lendário shaper e local do pico Owl Chapman.

Abri um sorriso ao pensar em quantas vezes ao longo dos últimos 40 anos ou mais ele esteve ali, naquele mesmo calçadão, observando a beleza das ondas quebrando em Sunset nas mais diversas condições. E ali estava a "velha coruja", em pleno 2012, ainda "vivendo o sonho" que o fazia voltar ali dia após dia. Por um instante nossos olhares se cruzaram naquele fim de tarde: eu, um novato surfista de primeira viagem em Sunset e ele, o mestre que aprendeu a dominar o pico ao longo de décadas de dedicação. Quis o destino que Owl Chapman fosse o último surfista que vi em minha passagem pelo Havaí.





Créditos - Foto de abertura: Medina em ação no Pipe Masters/ASP; vídeo Direto do Front #8 por Paulo Barcellos e Claudine Mastrangelo para o site da revista Hardcore; foto de encerramento: Rafaski; foto de Owl Chapman dropando em Sunset surrupiada do blog do Julio Adler (que por sua vez surrupiou de algum outro lugar), foto de Owl Chapman no carro surrupiada de um fórum da revista Surfer (autor desconhecido).
Mais sobre Owl Chapman aqui. Fotos de arco-íris retiradas de Instagrams, Tumblrs e Facebooks dos colegas Bruno Lemos, Rafaski e Bruno Tessari, três profissionais que não perderam a capacidade de se encantar com a natureza do North Shore.

Um comentário:

Anônimo disse...

Carai irmão!!!!
conseguir passer seu feeling!!!!
parabéns !!!!
Miguel Porto Alegre

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