11 de setembro de 2011
“Somos surfistas, não somos as pessoas mais espertas do mundo”, afirmava um irônico Bruce Irons após a sessão histórica de tow in em Teahupoo durante a última etapa do WT no Taíti. Com esta frase emblemática, o havaiano tentava explicar a lógica por trás da insanidade do punhado de indivíduos que, como ele, arriscaram o pescoço em busca da mais intensa interação possível de um surfista com a natureza, representada pela placa oca e mutante da bancada mais temida do surf.
As manchetes da mídia especializada não paravam de exaltar os momentos de terror e adrenalina experimentados naquele sábado 26/8, martelando o mesmo tipo de frase: “As ondas mais insanas já surfadas em Teahupoo”, registrando a data como um marco histórico no novo patamar alcançado pelo surf em condições extremas. Na verdade, muitos sugeriam até que estavamos diante de uma nova modalidade, afinal de contas, arriscar o pescoço naquelas placas descomunais não era simplesmente surf, e sim tentar “domar um dragão”, ou simplesmente desafiar a morte.
No dia seguinte, enquanto a etapa era retomada em condições clássicas de 8 a 12 pés, Kelly Slater relembrava da adrenalina do dia anterior: “Para mim estava claro que alguém iria morrer ontem!”. Joel Parkinson completou no mesmo tom: “Cheguei a me sentir mal a cada onda que não era completada, pois parecia que estavamos vendo a morte de alguém bem na nossa frente”. Passado o susto, com todos os “gladiadores” vivos, apesar de alguns feridos, todos voltaram para terra firme compartilhando a emoção de ter presenciado uma das mais intensas experiências coletivas que o surf poderia proporcionar.
Engolido por um canudo escuro e mutante, considerado por muitos o pior wipeout do dia, o big rider brasileiro Felipe Cesarano publicava a seguinte frase poucas horas depois em seu facebook: “ 3 pontos na boca, 9 no queixo , 4 no joelho , 6 no pé e quase apaguei ... Mas peguei a bomba da minha vida! Realizei o sonho da minha vida!”. Uma enxurrada de mensagens de apoio e pessoas o chamando de “ídolo” e “fonte de inspiração” e outras revelando perplexidade com palavras como “doente” e “insano” foram as respostas mais comuns ao seu relato.
A onda da vida de Felipe Cesarano
O fato é que qualquer pessoa que consegue enfrentar e superar os seus medos pessoais sente a seguir uma inebriante sensação de poder e triunfo, e no surf é relativamente fácil para aqueles cujo limite é um mar de 6 pés, se colocar nesta situação. No caso dos big riders, os padrões se elevam consideravelmente para situações-limite, onde o risco de vida (ou melhor seria “de morte”) é bastante acentuado.
E assim, voltamos para a frase de Bruce no começo deste texto. Apesar de ser esmagado pelas ondas e inclusive ter o calção sumariamente arrancado de seu corpo, ele teimava em voltar pro lineup e pedir para encarar a morte mais uma vez ao ser rebocado em mais uma craca sinistra. O motivo? Mais uma dose descomunal de adrenalina em suas veias. Algum jornalista gringo, cujo nome agora me foge, destacou que os surfistas que se dedicam a desafiar as maiores ondas do mundo não o fazem por dinheiro e prestígio, mas sim, por pura satisfação pessoal.
Bruce Irons colocando o pescoço em jogo em Teahupoo
Concordo com este raciocínio e sempre enxerguei o aspecto egoísta deste vício pela adrenalina que coloca uma pessoa em situação de alto risco de vida em busca de um prazer pessoal, em detrimento do possível sofrimento infligido aos familiares e amigos mais próximos, diante do risco iminente de uma tragédia.
Obviamente que este tipo de situação não é privilégio do surf. Basta uma rápida olhada nas modalidades esportivas que existem para perceber que algumas categorias de alpinistas, skydivers, pilotos e tantos outros “atletas” compartilham o vício de enfrentar a morte em troca da sensação de vitalidade suprema que uma dose cavalar de adrenalina pode proporcionar.
Lembrei disso no dia seguinte ao espetáculo de Teahupoo, quando vi na TV uma matéria com um tal de Luigi Cani, batizado de “Homem Pássaro”, saltando com sua roupa voadora de um penhasco nos Alpes suiços e passeando a milímetros de esmagar o próprio corpo sobre a rocha de uma montanha a milhares de metro de altura. A narração da reportagem falava com a maior naturalidade que o tal Luigi já havia perdido vários companheiros de esporte que haviam tentado saltar daquela mesma montanha, o que dava ao telespectador a estranha aflição de pensar que poderiamos estar presenciando ali os últimos momentos de vida daquele sorridente personagem.
Ao fim da reportagem liguei os pontos e fiquei pensando, afinal quem é mais insano: o Luigi Cani ou o Felipe Cesarano? E aqueles alpinistas que fazem questão de escalar paredões de pedras sem nenhum equipamento de segurança? Quantos outros esportistas extremos poderiamos incluir nessa lista? E se alguém realmente morresse ali em Teahupoo diante das cameras, será que a sessão de tow in seria encerrada? Seriam estes atletas verdadeiros heróis como muitos gostam de afirmar, ou apenas pessoas “não muito espertas”, cujo juizo foi desvirtuado pelo vício na adrenalina extrema?
Seja qual for a resposta para estas questões, a verdade, para mim, é que nenhum destes personagens pode ser considerado um herói por seus feitos destemidos como esportista, sob a simples alegação de que um verdadeiro herói é aquele que tem a coragem de arriscar e dedicar a sua vida em prol dos outros e não de sí mesmo, como é o caso aqui. Dito isto, é certo que existem muitos heróis anônimos por aí, exercendo funções menos midiáticas e salvando vidas. Também devemos deixar aberta a possibilidade de alguns destes atletas destemidos ter dentro de sí este espírito de heroismo abnegado que acabo de descrever.
Com ideias malucas como: "se jogar de avião com jet skis no meio do oceano para surfar ondas gigantes em alto mar", o surfista Mark Visser é o exemplo perfeito do esportista extremo
Resta então o impacto gerado pelas imagens proporcionadas por estes surfistas como fonte de adrenalina, prazer e inspiração. Certa vez publiquei em meu blog um texto entitulado “O Poder de Impressionar”, onde culpava o excesso de mídia pelo fato de não conseguir mais ser impactado por imagens de surf que antigamente me deixariam boquiaberto quando publicadas em uma revista, citando como exemplo a última edição do campeonato Eddie Aikau em Waimea. Afinal, qual o impacto de centenas de ondas de 25 pés em Waimea, diante dos registros de ondas muito maiores em Jaws? A constatação era de que os extermos foram esticados ao ponto de banalizar feitos antes considerados extraordinários.
Quis o destino que Teahupoo despertasse depois de alguns anos sem condições realmente extremas, justamente no período de realização de uma etapa do circuito que reúne os principais nomes de esporte e, por consequencia, com a presença maçica da mídia especializada para registra cada movimento.
E se foi lá mesmo que anos atrás o havaiano Laird Hamilton chocou a mim e a todo mundo com as imagens de uma sessão insana de de tow-in que elevou o padrão de limites da modalidade, a experiência voltava a se repetir, e provavelmente ser superada com o ataque de dezenas de surfistas destemidos, que, graças ao avanço considerável no sistema de previsão de ondas, puderam se deslocar a tempo de diversas partes do globo para estar ali.
O resultado foi sem dúvidas um espetáculo capaz de impressionar, mesmo à distância, àqueles que como eu, achavam que já tinham visto de tudo em termos de surf extremo. Fica aqui então o meu respeito a esses seres “não muito espertos” e sua teimosia em desafiar a morte.
Crônica publicada na edição 40 da revista Parafina. Clique aqui papa ver a edição completa.
Fotos copiadas do site do evento Billabong Pro Tahiti.
Um comentário:
excelente texto Luciano... saiu daquela mesmice de sempre dos textos sobre o assunto. Realmente, os caras são fodas e corajosos pra c***.
Uma outra perspectiva: hoje os caras surfam ali, mas tem otimos equipamentos, equipe de resgate, ambulancia e médicos a postos, etc. E o Greg Noll e cia que chegarma em Waimea, sem ninguém nunca ter surfado lá, sem cordinha, sem equipe de resgate, sem garantia nenhuma.. quem era mais louco? hehe
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