Provando do Próprio Veneno

17 de junho de 2011



Texto da Coluna Surf & Cult publicada na edição 37 da revista Parafina
:

Nos últimos dias tive a oportunidade de conferir ao vivo a realização do WT Rio, única etapa da primeira divisão do circuito mundial de surf, realizada na praia da Barra da Tijuca e Arpoador. O resultado todos já sabem: com a vitória de Adriano de Souza, o Brasil passou a ter pela primeira vez um representante ocupando a liderança do ranking que reúne os melhores surfistas competidores do planeta.

A cobertura do campeonato do Rio já foi tratada à exaustão em diversos veículos da mídia, mas gostaria de fazer aqui uma reflexão sobre os desdobramentos imediatos que esta vitória representou e de como ela reacendeu o preconceito explícito e velado que a comunidade internacional do surf tem com o Brasil.


Adriano de Souza, campeão da etapa e líder do circuito mundial

Quando comecei a comprar revistas de surf no final dos anos 80 pude acompanhar de perto a evolução do surf competição e ascenção brasileira no circuito com os bons resultados de Fábio Gouveia e Teco Padaratz, verdadeiros intrusos num cenário dominado por australianos e norte-americanos (inclua-se aí os havaianos). Com simpatia, talento, inteligência e profissionalismo, ambos conseguiram conquistar o seu espaço no circuito. Com o tempo, os gringos tiveram que se acostumar com a presença dos exóticos brasileiros e a contragosto passaram a vim surfar os inconstantes beachbreaks brasileiros atrás dos valiosos pontos para se manter nos rankings.

Mais de duas décadas se passaram, com muitos atletas brasileiros competindo na elite mundial e o Brasil consolidando a sua posição como a terceira força do surf mundial, até chegarmos à maio de 2011, quando Adriano de Souza colocou o nome do Brasil na liderança do circuito e subverteu de vez a ordem natural das coisas. Será que agora finalmente teremos um campeão mundial? Esta ideia é capaz de causar verdadeiros calafrios na pele dos anglo-saxãos que dominam o esporte.

Me adianto em dizer que não sou muito adepto desse partiotismo exacerbado relacionado ao esporte, muito menos numa atividade individual como o surf. Também não compartilho dessa sindrome de vira-latas do brasileiro que se sente sempre prejudicado e inferiorizado perante o que vem de fora. Por fim, reconheço a baixa qualidade de nossas ondas comparadas à Australia, por exemplo, mas isso serve como um elemento adicional de superação para os nossos atletas.

Dito isto, confesso que fiquei impressionado com a repercussão negativa que a conquista de Adriano provocou em sites e fóruns de discussão na internet, nas principais publicações da Australia e Estados Unidos. As matérias publicadas giravam invariavelmente no choro de perdedor, contestando a vitória de Adriano contra o aussie Owen Wright nas quartas de final, que inclusive rendeu um inédito comunicado oficial dos juízes da ASP justificando as notas concedidas – por que só dessa vez?! No ambiente livre e anônimo dos comentários digitais a chiadeira revelava todo o preconceito contra os brasileiros, com mensagens agressivas sobre os surfistas e as ondas daqui.


Taj Burrow logo após perder a final

Quem acompanha minimamente as transmissões de eventos da ASP pela internet já observou inúmeras injustiças contra brasileiros, que são sistematicamente prejudicados em julgamentos pra lá de duvidosos. Poderia elencar aqui uma longa lista de baterias polemicas, mas como o surf e seus critérios de julgamento são mesmo subjetivos, nem vale a pena aprofundar muito nessa discussão. Erros e controvérsias sempre vão existir no surf profissional, mas o que chama atenção aqui é o nível de estresse gerado por uma decisão controversa que atingiu diretamente a supremacia dos gringos no esporte.

Teve gente dizendo que os juizes sentiram a pressão da torcida, outros contestavam que um floater não poderia valer mais do que um aéreo – claro que um floater extenso na parte mais crítica de uma onda da série deve valer mais do que um aéreo simples numa onda menor! – e ainda teve o papo furado de que os patrocinadores querem agradar os brasileiros agora, já que nossa economia está bombando e, portanto, somos a próxima fronteira de consumo de produtos de surfwear. Por fim, tem a questão da qualidade das ondas, mas vale lembrar de tantos outros campeonatos mundo afora que já foram decididos em condições bem piores do que apresentadas na Barra da Tijuca.

A intensa repercussão produzida na mídia estrangeira especializada sinaliza dias cada vez mais duros para os brasileiros nas próximas etapas do circuito mundial. Diante desta pressão, Adriano de Souza terá que surfar duas vezes mais do que os seus adversários para ganhar as suas baterias – a exemplo do que fez Miguel Pupo este ano no WQS em Trestles (Califórnia) e ainda assim, quase foi garfado de maneira constrangedora no final.

Os gringos podem continuar acusando, muitas vezes com razão, de que a maioria dos brasileiros são mal educados e fominhas nos line-ups mundo afora, de que nossas ondas são sofríveis a até contestar a beleza estética do surf de Adriano de Souza. O que eles não podem de forma alguma é reclamar sobre o julgamento de baterias, quando tiveram pela primeira vez que provar do próprio veneno da injustiça. Neste quesito, temos ainda muito crédito para descontar.


Confira a edição completa da revista Parafina clicando aqui.

Um comentário:

marcelo.bolao disse...

Excelente texto.

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