7 de maio de 2010
Já se foi dito e escrito em vários lugares que a relação com o oceano promovida pelo surf oferece ensinamentos fundamentais que podem ser aplicados em diversas situações de nossa vida em sociedade.
Fora os óbvios clichês de que “a vida vai e vem como as ondas do mar”, ou que a cansativa remada para o outside para se posicionar e surfar uma onda é um exemplo prático de que “sem esforço não se chega à lugar algum”, existem, a meu ver, percepções um pouco mais profundas que podem ser alcançadas nesta analogia.
Sentimentos que surgem naturalmente quando nos colocamos na posição de orientar uma criança em seus primeiros movimentos dentro do mar. Uma experiência incrível que estou vivendo na prática cada vez que levo a minha pequena filha para brincar na praia e se divertir nas marolinhas.
Neste verão, Laura completou três anos de idade e passou semanas a fio perto do mar aberto de Jaguaruna, onde, a exemplo do pai, a sua mistura de fascinação e respeito pelo oceano vem se desenvolvendo ao longo de várias aventuras na água salgada.
Quem ainda não tem filhos pode apenas imaginar a emoção indescritível que é ver uma extensão da sua própria vida experimentando a emoção de percorrer as suas primeiras espumas deitada sobre uma pranchinha de bodyboard. Um sentimento tão intenso que provoca regressões no comportamento da criança, envolta no constante duelo mental entre o desejo de experimentar e o medo de se deixar levar – o que certamente exige muito do aspecto emocional de uma mente tão jovem.
Assim, no dia seguinte à experiência de ser impulsionada a surfar as suas primeiras ondas sozinhas, o que a deixou com um sorriso intenso e gargalhadas de excitação, ela simplesmente se recusou por vários dias a querer entrar novamente no mar com uma prancha, preferindo apenas pular as ondinhas na beira e muitas vezes apenas ficar observando na areia.
Este para mim foi o ensinamento maior de que “tudo na vida tem o seu tempo” (ok, mais um clichê!) e não podemos precipitar acontecimentos e muito menos forçar alguma interação, sob o risco de criarmos um verdadeiro trauma, traduzido em uma aversão total a viver àquela experiência novamente.
Um entendimento que nos remete diretamente à relação de desafio e domínio do medo vivenciada por qualquer surfista, do merrequeiro ao big rider, diante de uma situação-limite. A descarga de adrenalina proporcionada pelo surf é a grande mola que nos impulsiona a querer mais daquela experiência extrema, ou então, a nunca mais vivenciá-la.
Na vida prática, quantas vezes nos sentimos realizados e empolgados depois de passar com sucesso por uma experiência pessoalmente difícil, como falar em frente a um grande número de pessoas, participar de uma entrevista de emprego, ou tantas outras situações que nos dão aquele famoso “frio na barriga”? São momentos de superação que nos fazem crescer em nossa autoestima e no nosso relacionamento com o mundo. Outras experiências, por sua vez, de tão intensas, fazem-nos temer e criar aversão a viver novamente determinada situação.
No caso de uma criança, os ensinamentos descobertos na relação com o mar exigem dos pais a tão sonhada serenidade e paciência em saber analisar os elementos e fazer apenas o que é possível, deixando a vida se encarregar de ajustar os desejos ao tempo de maturação necessário. Ao ver minha filha de volta ao mar, sorrindo com empolgação em cima de uma prancha ainda nos resquícios deste verão, esta percepção se tornou ainda mais clara e certa. Afinal de contas, temos uma vida inteira pela frente!
Agradeço à minha esposa Mônia por me ajudar a compreender e a manter essa percepção sempre em foco.
4 comentários:
Que bacana!
Já dizia o velho filósofo que toda forma de vida vem do mar... E são esses momentos de alegria com nossos filhos na beira da praia é o que vamos levar pra vida toda. A "sereia" nas "morras" na Barra do Camacho em Jaguaruna deve ter puxado a mãe, né?
Porque o pai...
Abração, e muita saúde pros três.
E vai treinando para manter o rip, pois vem aí o "1º Blogueirosurf Super Contest".
Não apenas a experiência, há ainda o registro de tudo.
Que tempos vivemos!
Daniel furou sua primeira onda, sem querer, aqui em Ipanema.
Uma bomba no quebra coco, no colo do pai que calculou mal o tempo pra entrar no mar.
ABrazzo
Brilhante! Passei pelo mesmo esse Verão, com a minha filha da mesma idade! Exactamente da mesma maneira!
Saudações e boas ondas
hehe.. o Luciano, parece um espelho, pode acreditar faço isso com minha filhinha. Não tem preço isso é para a vida ...excelente!!!
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