4 de abril de 2010
Kyle Lightner
Você já ouviu falar em fotografia low-fi? Talvez não. Mas certamente você já se deparou com fotografias como as que ilustram esta matéria. Registros que parecem ter saído do túnel do tempo, de um passado longínquo, onde as câmeras frequentemente saiam de foco e produziam cores e sombras inesperadas – e o verbo “revelar” uma foto fazia todo sentido.
“A fotografia low-fi envolve o uso de equipamentos fotográficos extremamente baratos e mal construídos. A maioria das câmeras que uso atualmente eram consideradas brinquedos quando foram produzidas”, admite o fotógrafo nova-iorquino Jack Brull, que considera a estética low-fi um veiculo perfeito para retratar o surf gelado e inóspito na costa nordeste dos Estados Unidos.
Hoje, em meio à verdadeira revolução proporcionada pela tecnologia digital - que disseminou a fotografia como meio acessível, de fácil manipulação e resultados imediatos -, o fato é que alguns artistas tem se dedicado a resgatar esta estética da fotografia antiga, celebrando um tempo analógico em que a produção era bem mais trabalhosa e lúdica, e o resultado alcançado era um verdadeiro mistério. Um conceito onde a imperfeição vira estilo e, passa assim, a ser um elemento valorizado.
Apesar de difícil e muitas vezes frustante, Brull elenca as qualidades que justificam o uso de câmeras de baixa tecnologia e recursos bastante limitados: “Eu sinto o uso de equipamento fotográfico low-fi como uma experiência incrivelmente libertadora. Os seus recursos permitem a espontaneidade, a impulsividade e acidentes felizes. As imagens produzidas podem parecer desgastadas enquanto mantém uma beleza simples. – e na maioria das vezes contém uma certa qualidade visceral sobre o momento que vivenciei”.
Jack Brull
Este resgate saudosista de tempos antigos (muitas vezes, tempos que nem mesmo foram vividos) parece ganhar cada vez mais força na produção artística atual e leva a reboque toda a indústria de entretenimento e consumo. Assim, a fotografia low-fi se junta a outros movimentos nostálgicos e de estética vintage, no cinema, música, moda, design, automóveis, etc - com resultados que vão de arte retrô genuína ao marketing oportunista.
No contexto do surf, um filme rodado em película pelo Thomas Campbell, com imagens de surfistas munidos de alaias do Tom Wegener, que chegam ao pico dirigindo um Cadillac dos anos 50, sob a trilha sonora do The Mattson Two, compõe uma estética de valorização do passado, onde a beleza dos equipamentos, o resgate histórico das origens do surf e os desafios técnicos da produção, de alguma maneira constroem um resultado mais puro e substancial – talvez uma fuga da frieza tecnológica e um manifesto anti-HD (high definition)!
Um dos mais bem-sucedidos adeptos deste estilo é o fotógrafo Ryan Tatar: “Eu costumava produzir muita fotografia digital na Califórnia, porque era conveniente, fácil e acessível. Depois de uma viagem para o Japão eu fiquei comparando as minhas fotos com as do meu amigo artista Yusuke Hanai e não conseguia acreditar no clima e na alma que ele conseguia capturar em um único rolo de filme com uma velha Canon FTb. Imediatamente me convenci que o filme (fotográfico) era um meio melhor para a história que eu queria contar”, relembra.
Ryan Tatar
A fotografia é a mídia de maior impacto na construção do imaginário do surf (lembrando que os filmes nada mais são do que fotografia em movimento!). Muito disto se deve ao seu poder de transmitir emoções e impressões congeladas em algum lugar do tempo.
Ao optar pelo uso de câmeras antigas, hoje é possível emular um registro raro de uma sessão de surf pioneira ocorrida em algum pico remoto na Indonésia nos anos 70, ou numa sessão de longboard na Califórnia nos anos 50. E assim, a fotografia low-fi nos leva a uma verdadeira viagem no tempo em busca de uma suposta "essência perdida" do surf. Uma percepção de que, ao resgatar as origens, estamos produzindo algo genuíno e significativo em meio à banalização da fotografia atual.
E é esta tal essência intangível e inexplicável - mas que certamente existe nos corações de quem vivencia o surf como uma atividade espiritual – que conecta o surf com a estética da fotografia low-fi: “Eu sinto que (o surf) é a nossa fonte de energia, de onde nasce a nossa perspectiva. A vida de deslizar sobre as ondas é um caminho puro e repleto de paixão, que representa a liberdade eterna para todos nós”, resume o fotógrafo Kyle Lightner.
Kyle Lightner
As imagens e depoimentos desta matéria foram gentilmente cedidas pela Liquid Salt. Clique nos nomes dos fotógrafos para conferir as entrevistas completas com Jack Brull, Ryan Tatar e Kyle Lightner, e conheça um pouco mais do trabalho destes artistas nos seguintes sites:
Salt Stained Eyes / Grass is Greener Ryan Tatar.com
7 comentários:
Queria umas umas imagens minhas assim. As fotos do Ryan são muito boas, parabéns pela matéria!
É realmente difícil tentar explicar porque alguém usaria uma máquina considerada ultrapassada já que hoje encontramos tantas boas maquinas com preços acessíveis.
Até hoje uma das minhas fotos que mais gosto, foi tirada pelo meu amigo Pedro Marques (que nunca estudou nada de fotografia) com uma maquina das mais vagabundas, de plástico, aprova d´água: http://www.flickr.com/photos/felipesiebert/4491451041/
com certeza seria difícil fazer uma imagem destas com a minha Canon EOS Rebel...
nas coisas mais simples da vida esta escondida a magia das coisas,,exelente materia, obrigado Luciano!!!
Fala Luciano, já tinha lido a matéria aqui, show de bola, as vezes acaba ficando chato as coisas muito perfeitas mesmo...hehe
mas achei um blog que se encaixa ai, acho que é de um pessoal aqui de floripa até, o nome já é bastante sugestivo: "Assim que eu revelar"...ta ai o endereço: http://assimqeurevelar.wordpress.com
Valeu!
Não acho que minha fotografia se encaixe no perfil "low-fi", mas eu aprendi fotografia usando filme, e o ato de se fotografar sem se ver o resultado imediato, apesar de ultrapassado, nos reverte a outra dimensão fotográfica e artistica. O conjunto entre ansiedade + dúvida + espera pelo resultado, só isso já é uma arte, que infelizmente está sendo esquecida, principalmente aqui no Brasil. As melhores imagens fotográficas feitas até hoje foram com filme, e na minha opinião vai continuar sendo. O sentimento está no filme. A alma está no filme. A vida, viva, está no filme. Vemos trabalhos digitais maravilhosos, sem dúvida. Mas a alma da fotografia está no filme. E acho que mesmo nadando contra a corrente tecnologica, ainda vai continuar existindo e resistindo. Parabens pela matéria!
Imagens...um momento para o fotógrafo e uma história para quem vê produto final...
Muito boa esta matéria.
surfestorias.blogspot.com
E dá-lhe pinhole!
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