4 de novembro de 2009
Cinco anos depois de iniciadas, as obras de asfaltamento da Sc-487 que liga a cidade de Jaguaruna com a Barra do Camacho - no acesso sul para as praias do Farol de Santa Marta - foram inauguradas na véspera deste feriado de Finados.
Celebrada pela maioria da população local como um elemento de desenvolvimento para a região, o asfalto traz para os surfistas e turistas a inevitável sensação de que a mão do homem mais uma vez imprimiu a sua marca na natureza, ao acelerar o processo de urbanização de uma região famosa justamente por sua beleza selvagem e de dificil acesso.
Ponte asfaltada na Barra do Camacho
Percorri o trajeto com um misto de conforto e preocupação: Com a promessa do governo de investir numa segunda etapa de asfalto cobrindo todo o acesso norte a partir da Barra da Laguna até o Farol, a perspectiva é que, em breve, a sensação de se estar dirigindo em um deserto inóspito de dunas de areia atrás de ondas perfeitas será apenas uma nostálgica recordação.
E se a tal rodovia Interpraias catarinense realmente vingar, é de se esperar um acelerado processo "civilizatório" onde a paisagem rural será rapidamente substituída pela floresta de concreto característica da especulação imobiliária.
Na época em que as obras se iniciaram, publiquei um artigo sobre o tema no site Surfarol que gerou grande repercussão entre os leitores - com uma grande maioria protestanto contra as obras e relembrando com alegria as roubadas enfrentadas em surf trips inesquecíveis.
Reedito aqui este material (com algumas fotos da época), que ainda serve como fonte de reflexão sobre os desdobramentos que o asfalto deve trazer para uma região que guarda algumas das ondas e paisagens mais incríveis do Brasil.
Quem quer o asfalto?!
A estrada do Farol vai ser asfaltada! Há anos esta notícia ressoa na boca dos freqüentadores das praias do Cabo de Santa Marta. Pessoalmente, sempre senti um gosto amargo na língua ao vislumbrar o asfalto escuro invadindo a paisagem rural, e substituindo a estrada de chão - que muitas vezes se torna precária com os efeitos climáticos, e torna a viagem em busca das ondas perfeitas do Cardoso, Cigana, Galheta e demais praias, uma verdadeira aventura.
E aí bate aquela nostalgia de tantas surf-trips, enfrentando toda sorte de buracos, lama, animais na pista, atoladas, pneus furados e outras roubadas para saborear a recompensa de encontrar ondas perfeitas e solitárias, num cenário de sonho.
Tá certo que a “buraqueira” destrói e suja até os veículos mais resistentes - além de tornar a viagem mais longa - mas no final das contas, não seria este o preço a pagar pela alegria de encontrar o pico remoto, quebrando clássico? Nas antigas, a magia do Farol era justamente o fato de ser um local isolado, quase secreto. Fazer uma barca pra lá era uma aventura cheia de percalços, e essa era toda a graça.
Hoje os boatos tornaram-se realidade e já temos obras no acesso sul do Farol, via Camacho. Com a promessa de asfalto e a duplicação da BR, os amantes do Farol se confrontam com um dilema: Como conciliar o desenvolvimento turístico gerado pela melhoria na infra-estrutura viária, com a preservação das belezas naturais que fazem a fama do local?
O "progresso" é inevitável, mas há que se pensar em mecanismos para evitar que a chegada do asfalto descaracterize a essência de curtir a beleza selvagem das praias, dunas e lagoas da região. O Farol não pode tornar-se um amontoado de construções sem planejamento, com poluição, transito caótico e outras mazelas do crescimento urbano desordenado.
Já não é de hoje que vemos a favelização do morro do farol, com conseqüências desastrosas para o equilíbrio ambiental, bem como a beleza estética da paisagem. Moradores da Galheta fazem questão de que a estrada de acesso à praia permaneça quase intransitável para carros sem tração nas quatro rodas, afugentando os visitantes. Ainda assim, apesar do terrorismo dos moradores, o local cresce sem qualquer planejamento. A equipe do Surfarol já foi alvo de violência na praia da Tereza, por desmiolados que pensam que um surf-report vai crowdear as praias da região – num sentimento descabido de pseudo-localismo.
Olhando de forma realista, não se pode evitar o crescimento demográfico do Farol. O que nos resta é trabalhar para que este crescimento aconteça dentro de uma política de desenvolvimento sustentável, preservando e valorizando as belezas naturais da região. Não adianta urbanizar tudo e estragar a rusticidade que faz com que milhares de turistas deixem as grandes cidades pra curtir as férias no Farol, em busca de um ambiente descontraído e “pé no chão”.
Os que estão a favor do asfalto ressaltam a facilidade e tranqüilidade que vai ser sair do trabalho em Tubarão, Laguna e Criciúma pra pegar umas ondas no fim de tarde. Facilidade que se estende a todas as demais regiões, com a duplicação da BR, e ao mundo todo, com a conclusão do aeroporto em Jaguaruna.
E eu vou me tornar aquele velho saudosista, lembrando daquela vez em que o fusquinha amarelo mergulhou desgovernado num lago de lama, e nos fez chegar com duas horas de atraso ao Cardoso. Ainda assim, tivemos a recompensa de desfrutar longas direitas de dois metros, penteadas pelo vento nordeste, com apenas alguns amigos na água. Bom, mas parodiando a propaganda: isso não é importante, o importante é que, em breve, chegar ao Farol vai ser “dois toque, véio”!
4 comentários:
É complicado mesmo, se for pensar no lado de quem não mora por lá, vai em feriados e um fim de semana ou outro, esse é quase certo que vá preferir a estrada de terra, por causa da aventura, de sentir que está mesmo saindo da cidade...
Já o pessoal que mora lá, tem casa pela região, está trafegando toda hora por lá e/ou tendo que tirar terra de sua casa todos os dias também é complicado...
Eu fico com o lado saudosista também, estrada de terra, local mais "inóspito" e tudo mais...
Ganha o progresso e perde a magia.
ainda bem que "lá na praia" se alguem levanta um tijolo todo mundo ja cai em cima e nao existe mais terrenos viaveias para a construcao... que bom!
Morar lá e encarar aquela estrada todo dia, deve ser uma beleza. Atolar, estourar e destruir seu carro melhor ainda...
E por falar em destruição, vale lembrar que o tal "surf-report" adorava destruir a natureza virgem com as garras do pneu de sua moto... foi isso que vc apoiou??? Como pode ser contra o asfalto então?
Postar um comentário