30 de outubro de 2009
A fotografia é um veículo essencial de divulgação do surf, alimentando um universo amplo de publicações e um sem número de profissionais que se dedicam a capturar imagens aquáticas ao redor do planeta. O fotógrafo Márcio David é um dos expoentes brasileiros nesta busca por traduzir em imagens, toda a beleza e encantamento proporcionados por esta integração do homem com a natureza.
Quem acompanha este blog percebe que a proposta editorial consiste em divulgar personagens e ações que de alguma maneira contribuam para o desenvolvimento positivo da cultura em torno do surf. No caso da fotografia, o desafio é tentar contemplar àqueles profissionais que conseguem de alguma maneira se diferenciar em seu trabalho, com conteúdo artístico e inovador, em meio à extensa lista de fotógrafos aquáticos que exibem o seu trabalho em meio impresso e digital.
O prazer do contato direto com o mar, as ondas e a natureza em cenários paradisíacos ao redor do mundo é por si só um elemento que justifica o grande número de adeptos desta profissão. O avanço da tecnologia e a facilidade de acesso aos recursos tecnológicos multiplicaram ainda mais o número de fotógrafos envolvidos com a produção de fotos de surf, o que exige ainda mais dedicação e talento do profissional envolvido com o rico conteúdo de imagens proporcionado pela arte de deslizar sobre as ondas.
Na entrevista a seguir, Márcio conta um pouco sobre a sua trajetória e oferece uma visão consistente sobre os elementos que envolvem a boa fotografia de surf. E se a característica primordial de uma grande foto é o poder de transmtir sensações agradáveis em qualquer pessoa, as vezes é impossível verbalizar os sentimentos e impressões pessoais que ela desperta.
Seja como for, o fato é que mesmo sem termos o conhecimento técnico para avaliar o valor artístico de uma fotografia, certamente sabemos distinguir um trabalho profissional de uma simples registro capturado ao acaso. No caso das imagens que ilustram esta matéria, elas certamente valem mais do que mil palavras.
1 - Fale um pouco de sua origem e iniciação no mundo da fotografia?
Sou paulista e moro em Florianópolis desde 1999. Comecei o trabalho com fotografia em 1993, como assistente no estúdio da agência de publicidade Almap/BBDO. Passei a fotografar profissionalmente em 2002.
Quando me interessei por fotografia gostava bastante do estúdio fotográfico. Dominar a luz e criar em cima de um tema era um desafio que me despertou um foco grande em me tornar fotógrafo. Com o tempo fui perdendo o interesse por foto publicitária e de estúdio - montar cenário e criar cenas não era muito a minha praia - não me via como fotógrafo publicitário. O desafio de viver próximo ao oceano e registrar momentos únicos do mar foi e é a maior busca da minha vida.
2 - Conte um pouco sobre os trabalhos profissionais mais significativos que já realizou e os seus projetos atuais.
Todo trabalho tem um significado especial, as vezes até sessões no quintal de casa tem um sentimento legal. Um dia subi uma trilha aqui da ilha de Florianópolis com o meu amigo e surfista Guga Arruda. Estávamos na maior vibe de fazer um bom material que todos os fatores importantes para se tornar significativo apareceram. A “drena” de pegar um mar grande, cair dentro d’ água e fazer boas fotos, respirar o ar puro da trilha e uma boa conversa já tem todos os ingredientes necessários para ser significativo.
Claro que viajar e conhecer lugares novos tem um significado diferente, ter conhecido Mentawaii e ter a sorte de encontrar os irmãos Malloy junto de Rob Machado e Gerry Lopez foi um prêmio, no final consegui emplacar uma capa da viagem na revista Trip.
3 – Quais os seus projetos atuais?
Meu projeto atual é desenvolver e crescer com a fotografia aquática, ampliar cada vez mais meu banco de imagens de Santa Catarina e poder voltar para o Hawaii. Apesar de já conhecer o Hawaii e ter morado em Oahu, meu maior sonho e destino continua sendo a temporada no North Shore.
Atualmente trabalho também com um projeto chamado BoardInform, um totem que fica dentro do aeroporto de Florianópolis e traz informações sobre ondulações e a previsão do tempo. Alem das informações climáticas, o totem também tem uma programação cultural e informativa, que inclui uma apresentação chamada BoardSlides onde exponho meu trabalho em quatro temas: Natureza, Surf, Ondas e Paisagens. Nossa idéia é ampliar e colocar outros totens em diversos lugares da cidade e do Brasil.
4 - Quais as peculiaridades de se fotografar surf? Quais os profissionais que você mais admira no mundo da fotografia?
Fotografar surf tem todo um sentimento especial. Você abre mão de diversas coisas para viver uma vida mais simples e de total harmonia com a natureza. Não é fácil viver de surf como muitos pensam, ganhar grana com esse esporte exige uma dedicação e amor muito grande. O prazer de cair na água e viver o movimento do oceano faz com que esse esporte tenha um valor todo especial para a minha vida.
Admiro o trabalho de diversos fotógrafos, tanto de surf como fora do esporte. Por mais que surjam fotógrafos modernos e que extrapolem o campo de visão da fotografia aquática, como o Scott Aichner que é um mestre dentro da água, ainda continuo admirando a sensibilidade do veterano Aaron Chang e o poder de captura do brasileiro Sebastião Salgado, que não tem nada a ver com o surf. Sebastian Rojas é um mestre também, um dos melhores do mundo na área de surf.
5- Quais foram as experiências mais marcantes e as condições mais desafiadoras em que você já trabalhou?
Tenho algumas experiências marcantes, quando parti para minha primeira trip, sai de carro de Floripa junto com o big-rider João Capilé rumo ao Peru, para a cidade de Punta Hermosa. Nossa idéia era pegar um bom swell em Pico Alto, onde quebram ondas de 25 pés, mas o que me marcou foi ter entrado para fotografar El-Gringo, no Chile.
Nunca tinha visto ondas daquele tamanho e formação, fui contagiado pelo João que me deu maior pilha pra entrar no mar que estava com series de 8 a 10 pés. Por falta de experiência tomei uma serie enorme na cabeça e acabei perdendo minha câmera. Na hora bateu a maior “drena”, fiquei mais preocupado comigo do que o equipamento, mas assim que passou a serie a câmera saiu na minha frente no meio da espuma e tudo deu certo. Essa trip marcou por vários motivos, descemos a cordilheira sem freio nenhum, vimos o poder de um tsunami que destruiu uma cidade do Peru e outras roubadas de uma trip.
Entrar em Pipeline no Hawaii pela primeira vez também foi marcante, Pipe estava com oito pés plus, um espetáculo da natureza! Sabia entrar mais não tinha noção como sair (risos). Acabei caindo na vala do lado, um beach break com um quebra coco sinistro, levei uma surra para sair da corrente.
6 - A chegada da fotografia digital multiplicou e democratizou o acesso a diversos recursos tecnológicos e o surgimento de novos profissionais. Como você vê esta situação? Quais os desafios para se manter em destaque no mercado?
A fotografia digital chegou pra inovar e aperfeiçoar o universo de imagens. Sou do tempo da magia de revelar o filme fotográfico. Sempre gostei do processo da revelação e a ansiedade de ter conseguido boas fotos. Todo aquele processo tinha um mistério maravilhoso que fazia parte de todo o resultado final de um trabalho.
Para ser fotografo na época do filme o cara tinha que entender o mínimo de luz e sensibilidade de captar cada cena com o filme certo, com uma margem de erro bem menor do que hoje. Antes, o cara caia no mar com um filme de 36 poses e não podia errar. Hoje você tem 300 fotos e as câmeras digitais facilitam muito o processo de captura, com uma qualidade de alta definição, facilitando o máximo para quem esta atrás das lentes.
Com isso surgiram diversas pessoas com o interesse em se tornar profissional, o que tem um lado bom e um lado ruim. Com essa facilidade os fotógrafos de hoje não pensam muito para fotografar e esquecem de estudar e se aprofundar na fotografia da forma correta. As vezes tiram boas fotos mas esquecem de trabalhar com profundidade da campo, luz correta e sensibilidade de atingir o impacto fotográfico.
Por outro lado, a digital também te proporciona a criar mais, evoluir dentro de um resultado, explorar sem medo de errar e avaliar o trabalho na hora. Esse é um dos grandes benefícios das digitais: poder ver o que esta prduzindo. Acertar o erro é fenomenal e você acaba tendo um aproveitamento bem maior do que antes.
Acho que o ponto fundamental é o fotografo ter uma linguagem própria, um estilo de fotografar, isso é a grande diferença hoje de um grande fotografo. Existem muitos fotógrafos surgindo, mas poucos com um estilo próprio, aquele cara que sabe trabalhar com uma lente na hora certa, transmitir o verdadeiro encanto de um contra luz com um enquadramento criativo. Mesmo com os benefícios da digital eu ainda continuo acreditando que para se manter em destaque no mercado você tem que ter uma identidade própria e uma linguagem profissional.
7 - Quais os picos que mais gosta de fotografar? Quais as locações que ainda gostaria de visitar?
Gosto de fotografar em Fernando de Noronha, Moçambique e no Secret de Floripa.
Noronha tem todo um encanto de ser um dos melhores lugares que já conheci, se não for o melhor. A praia do Moçambique tem toda uma história com a minha vida. Passei a amar Floripa por causa das ondas dessa praia, sempre me dou bem quando estou fotografando lá. Posso dizer que o Moçamba foi minha escola pra fotografar na água. O Secret de Floripa é especial também, um lugar onde recarrego energias e que me ajuda a ter consciência da minha eterna busca, sem sombra de duvidas a onda mais animal da ilha e um bom treino para encarar trips de ondas fortes.
Tenho desejo de conhecer diversos lugares do mundo. Se for colocar no papel conheço poucos lugares. Gosto de surf de de água quente com sol e ondas tubulares - são os ingredientes perfeitos para despertar meu interesse.
Um comentário:
Ótima entrevista, Luciano.
As fotos do Márcio David são espetaculares, grande fotógrafo brasileiro do surf.
Parabéns para entrevistador e entrevistado.
Abraço,
Gustavo
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