31 de agosto de 2009
As iniciativas de desenvolver meios de produção menos poluentes para a indústria de equipamentos de surf é um tema recorrente neste blog.
A percepção de que os métodos atuais de fabricação de pranchas e acessórios não condizem com a essência do que o surf representa é um sentimento que hoje move uma série de iniciativas ao redor do mundo e aponta para um caminho inevitável: a adequação da indústria do surf aos preceitos do comércio justo e do desenvolvimento sustentável.
O fechamento da gigante Clark Foam na Califórnia em 2005 parece ter sido o gatilho que faltava para desencadear um maior investimento em tecnologias alternativas para suplantar o nocivo bloco convencional de poliuretano que ainda domina o mercado quase meio século após o início da sua comercialização.
Um processo ainda em fase de consolidação, onde os estagnados processos de produção atuais terão que em algum momento se adaptar a uma nova realidade de consumidores conscientes e exigentes quanto à procedência dos bens adquiridos.
Entre abril e junho deste ano decidi pesquisar mais a fundo este assunto em um estudo acadêmico de marketing sobre a viabilidade de investir no desenvolvimento e comercialização de blocos reciclados de poliuretano e EPS no Brasil. Infelizmente, por “n” motivos que não valem a pena ser citados aqui neste espaço, o projeto não foi adiante.
Contudo, por ser a sustentabilidade um tema de grande relevância nos tempos atuais, acredito que os resultados preliminares da pesquisa de mercado que realizei para este projeto seja objeto de interesse público e que contribuam de alguma maneira para auxiliar aqueles que desejam empreender dentro deste ainda quase inexplorado segmento de mercado.
O foco da pesquisa foi estudar a recepção shapers brasileiros à possibilidade de utilizar blocos reciclados na produção de pranchas. Para isto, foi elaborado um questionário com seis perguntas referentes ao assunto que foi distribuído via internet para o mailing-list da Sociedade Brasileira de Shapers - SBS, principal entidade representativa destes profissionais no Brasil.
Com o apoio da SBS, o questionário foi oferecido de maneira voluntária para um universo de cerca de 100 shapers filiados, e outros cerca de 500 cadastrados pela entidade, que se outorgou a tarefa de intermediar o processo, pois seu estatuto não permitia fornecer a mim diretamente os endereços do mailing em questão. A SBS estima que existam mais de 01 mil shapers profissionais e semi-profissionais no Brasil.
Após duas semanas do envio do material, o número pequeno de questionários respondidos espontaneamente (apenas uma dúzia) me levou a pesquisar por conta própria novos endereços de email de shapers que atuam em Santa Catarina (foco primordial da pesquisa), para os quais os questionários foram enviados diretamente, com um feedback de 50%. Com base nestes resultados, fiz a análise publicada a seguir:
Questionário:
Responda as 06 questões abaixo, assinalando a opção desejada:
1- Você trabalha com blocos de PU (poliuretano) ou EPS?
( ) a – PU _____________
( ) b – EPS ____________
( ) c – ambos
( ) d – outros – (especifique: ________________________ )
2 - Por qual motivo?
( ) a - facilidade de manuseio (domínio da tecnologia)
( ) b - qualidade superior
( ) c - questões ecológicas
( ) d - demanda do mercado
( ) e - outros (especifique: _____________________________)
3 - Você usaria blocos de PU reciclado e EPS reciclado?
( ) a - ambos
( ) b - nenhum dos dois
( ) c - só o de EPS
( ) d - Só o de PU
4 - Você estaria disposto a pagar quanto por um bloco reciclado?
( ) a - o mesmo valor de um bloco virgem
( ) b - mais do que um bloco virgem
( ) c - menos do que um bloco virgem
( ) d - depende da qualidade do produto em relação ao convencional
5 - Você acredita que os seus clientes comprariam pranchas com blocos reciclados?
( ) a - sim e estariam dispostos a pagar mais por isso
( ) b – sim, desde que pagassem o mesmo preço de um bloco convencional
( ) c – sim, desde que pagassem menos por isso
( ) d - não
6 - Você possui algum programa de gestão ambiental dentro de sua fábrica?
( ) a - sim, coleta seletiva de resíduos
( ) b - não, mas tenho interesse em fazê-lo
( ) c - não e acho desnecessário
( ) d – outros (especifique: __________________________)
Objetivo das perguntas:
1 – Mapear a matéria-prima utilizada pelos shapers
2 – Investigar as motivações para o uso de determinada matéria-prima em detrimento das outras
3 – Apontar as duas possibilidades de reciclagem para dimensionar as possibilidades
4 - Avaliar o aspecto financeiro x qualidade do produto reciclado em comparação ao convencional
5 – Avaliar a impressão dos shapers em relação ao apelo do bloco reciclado frente ao consumidor final
6 – Investigar o nível de consciência ecológica e atitudes pró-ativas dos sghapers em relação à questão ambiental que permeia o lançamento do bloco reciclado.
Análise preliminar dos resultados:
A pouca resposta espontânea dos shapers à pesquisa, por si só, já revela um certo desinteresse pelo tema da reciclagem e uma resistência inicial à busca por novas matérias-primas.
Não obstante ao aspecto pouco conclusivo do percentual de participantes da pesquisa, os resultados oferecem alguns argumentos interessantes para o debate sobre a viabilidade de se investir em um projeto desta natureza.
- A maioria dos shapers utiliza blocos de PU e EPS simultaneamente. Um número considerável é adepto apenas do bloco de PU.
– O principal motivo da escolha de cada shaper em relação a matéria-prima do bloco se refere a uma questão de demanda de mercado, sendo que a facilidade do manuseio do material tem, a principio, maior importância do que as questões ecológicas e da qualidade em si.
– A grande maioria dos shapers entrevistados está aberta a experimentar ambas as possibilidades de blocos reciclados, sejam eles de PU e EPS. Alguns shapers optariam apenas pelo bloco reciclado de PU e nenhum optaria apenas pelo EPS reciclado.
– Na opinião dos entrevistados, a qualidade do bloco reciclado em relação ao convencional se configura como o item fundamental para a utilização do produto, sendo que no aspecto financeiro a equivalência de valores entre bloco reciclado e convencional é uma premissa importante, pois nenhum dos shapers estaria disposto a pagar mais por um bloco reciclado.
- No que diz respeito ao apelo do bloco reciclado frente ao consumidor final das pranchas, os entrevistados em sua maioria opinaram que a questão financeira ainda se sobrepõe á questão da sustentabilidade na visão do consumidor e, portanto, o comprador de uma prancha estaria disposto a pagar pela utilização do bloco reciclado o mesmo valor ou menos do que o valor pago por um bloco convencional.
– A maioria dos shapers ainda não possui nenhum programa de gestão ambiental em suas oficinas, mas demonstram interesse em realizar algum procedimento desta natureza. Um número relevante afirma já possuir uma coleta seletiva de resíduos e outros já tomaram atitudes adicionais dentro deste contexto.
Vale ressaltar que o uso de blocos reciclados de PU e EPS são apenas duas das muitas alternativas para tornar mais “limpos” os processos de produção das pranchas de surf. Aliadas ao resgate da madeira (agora com certificação ambiental) e outras iniciativas como o uso de bambu, já abordadas neste espaço, elas são hoje os meios mais comercialmente viáveis de tornar a produção sustentável a curto prazo.
Contudo, a solução definitiva pode estar escondida em algum material revolucionário de laboratório, as custas de grandes investimentos em pesquisa e desenvolvimento bancados por alguma empresa visionária e verdadeiramente comprometida com o crescimento sustentável do surf. Que venham as inovações!
Crédito das fotos: SurferCosmoVision
2 comentários:
Excelente texto Luciano. Acredito que essa sua pesquisa pode, no minimo, ajudar a fazer esse assunto tomar proporçoes maiores. Lendo o texto, fica facil concluir que na verdade nao é o shaper que vai decidir se o bloco alternativo vai ou nao ser usado e sim o cliente.
Que bom q gostou. O filme é sem comentários...muito bom!
Quanto a sua pesquisa, achei muito interessante e importante como instrumento para DISPERTAR(!) shapers e surfistas na busca de novos materiais para a fabricação das pranchas. Mas o que me chamou mais a atenção foi o pouco retorno e até mesmo a falta de interesse dos próprios shapers. Falo isso porque sempre vejo(leio)uma tentativa forte de união dos shapers por parte da SBS, mas parece q isso não é recíproco.
Obrigado pelo comentário no blog...Gosto muito dos seus posts tbém. O seu já está lá na lista desde o começo! rs... ABraço
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